Maria no Templo: A jovem da ternura

Dirijamo-nos em espírito ao Templo de Jerusalém, onde Maria Santíssima quis permanecer, depois de sua consagração, a fim de levar uma vida celestial. Inteligência humana alguma será capaz de compreender tudo o que o espírito de Deus realizou de santo e perfeito numa alma tão disponível, tão ciosa de sua perfeição, tão pura e cheia de encantos. Louvemos, pois, o Espírito Santo, filhas queridas, e peçamos-lhe nos revele todas as belezas desse quadro maravilhoso e nos conceda a graça de podermos reproduzir alguma em nós.

Nós, filhas, cometemos duas grandes injustiças com Deus: o esquecimento e a falta de respeito. Poucas vezes nos lembramos Dele; vivemos como se Deus não existisse para nós; e quando Nele pensamos, tratamo-lo sem respeito, tanto na oração, na Igreja, como em qualquer outro lugar, embora tenhamos consciência de que Ele está presente onde quer que estejamos. Bem diferente era o procedimento de Maria no Templo. Só Deus ocupava seus pensamentos, satisfazia seus afetos; o mundo nada significava para ela, ou melhor, servia-lhe apenas como escada para subir até Deus. Maria honrava Deus nas suas Superioras, amava-o nas companheiras, admirava-o no esplendor do céu, no verde das plantas, na beleza das flores. Quando falava era com Deus ou por Deus, quando trabalhava ou lia, caminhava ou passeava, quando dava a seu corpo alimento ou repouso, procurava somente agradar a Deus, pois estava cumprindo a Sua Vontade.

E como falar do respeito profundo que cercava esta sua habitual lembrança de Deus? Que recolhimento em todos os seus sentidos! Que modéstia no semblante e em todas as atitudes! Com que humildade rezava, abismada no seu nada diante da grandeza divina, como uma pobre escrava, na presença do mais augusto Senhor! Com que confiança, com que abandono expandia sua alma no Coração de Deus!

Quando assistia aos sacrifícios que eram oferecidos no Templo (muito diferente do judeu carnal, que só pensava no sangue que corria), ela meditava no significado do sacrifício, mediante o qual protestamos reconhecer o soberano domínio de Deus sobre a vida e sobre a morte; a sua excelência infinita, diante da qual nenhum ser tem o direito de subsistir; e a plenitude de todo o bem, pela qual não necessita de nenhum dos nossos dons. Cheia destes santos pensamentos, ela nutria o mais profundo respeito unido a uma piedade proporcionada ao perfeito conhecimento que ela possuía sobre a grandeza divina. Sob a figura daquelas vítimas materiais, incapazes de honrar a Deus como Ele o merece, via o Messias futuro, a grande vítima do Calvário, o único capaz de prestar ao Ser Supremo uma digna homenagem. E ela o oferecia antecipadamente ao Pai celeste com inefáveis sentimentos de adoração, de louvor e de amor. Eis o que foi em relação a Deus a vida de Maria no Templo!

Que encanto o relacionamento de Maria com as Superioras e com as companheiras, durante a sua permanência no Templo! Era lindo ver como dedicava às primeiras aquele respeito que ama, uma docilidade e obediência que se submetem não só às ordens, mas ao mínimo desejo; para com as companheiras nutria a caridade mais afável, mais amorosa, as atenções e os cuidados mais delicados, suportando tudo de todas, sem causar sofrimento a ninguém; desculpando os defeitos, encobrindo as imperfeições, perdoando todas as injustiças. Jamais se percebeu nela um gesto brusco, uma expressão áspera, uma palavra de crítica, de discórdia, de contradição, porque preferia ceder por condescendência a vencer às custas da doçura. Nunca demonstrou frieza ou pouco caso; acolhia sempre a todos com amabilidade, doçura e graça, porque estava sempre disposta a prestar serviço: não levada apenas por uma bondade natural, por simpatia, por amor sensível e humano, mas por um dever de fé, por amor de Deus, a quem ela amava e servia na pessoa do próximo. Com estes tão belos exemplos era um testemunho para a Comunidade, cativava os corações e a edificação era geral. Com esse procedimento Maria nos ensina como praticar a caridade para com o próximo.

A vida de Maria no Templo, considerada em si mesma, foi uma vida de abnegação e de humildade: de abnegação, porque Ela soube sacrificar as comodidades, a vontade própria e o caráter ao culto do seu Deus; de humildade, porque jamais demonstrava vaidade, orgulho, complacência de si mesma. Esquecia-se de si, preocupada somente em agradar a Deus e servir ao próximo. Considerando-se inferior ‘as suas companheiras, via nelas as filhas de Deus, de quem ela era a humilde serva1 escolhia o último lugar, procurando o pior para si e cedendo o melhor às outras. Imersa nos sentimentos do seu nada, julgava-se indigna até dessa mínima parte. Como estava longe das pequenas astúcias da vaidade, da maneira de agir e das palavras ditas com o fim de aparecer! Tinha tudo para atrair a admiração, mas não desejava senão ser esquecida. Filhas queridas, peçamos a Maria uma parcela de tal abnegação e humildade.

Adoremos o Espírito Santo que inspirou a Maria, ainda menina, a resolução de deixar sua família e todas as alegrias do lar, para ir em busca da solidão do Templo e aí levar uma vida de total união com Deus. Regozijemo-nos, filhas, com a Virgem Santa, pela sua perfeita correspondência à graça, e alegremo-nos por ela estar, nessa tenra idade, tão avançada no caminho da santidade. Procuremos filhas queridas, entregar-nos a Deus sem reservas, a exemplo da Virgem Maria.

Nas dependências do Templo de Jerusalém, havia dois tipos de mosteiros, que recebiam jovens de ambos os sexos, consagrados ao Senhor pelos próprios pais; prova-o a presença de Samuel, de Ana, filha de Fanuel. Dedicavam-se, conforme o sexo, ou as funções do lugar santo, ou ao cuidado das alfaias e dos paramentos sacros. Sacerdotes respeitáveis assumiam a tarefa de educar os jovens, enquanto as jovens ficavam aos cuidados de santas mulheres, cheias do espírito de sabedoria, refulgentes de inocência e de virtude, verdadeira imagem das atuais Comunidades religiosas.

Maria contava três anos de idade, quando manifestou a seus pais o desejo de encerrar-se naquele santo retiro; e eles, conscientes de que os filhos pertencem a Deus, antes de pertencerem ao pai e à mãe, satisfizeram seu desejo; assim, a tenra menina, dócil à voz do Esposo divino que a chamava, foi para Jerusalém.

Enquanto ela sobe os degraus do templo, os Anjos, extasiados, exclamam: “Como são formosos teus passos, ó filha do príncipe!”

            Solta-se-lhe a língua assim que pronuncia com firmeza os santos votos de pertencer totalmente a Deus. Bela lição para os pais, ensinando-lhes como formar os filhos para a piedade, desde os mais tenros anos e a entregá-los a Deus quando os chama, seja para a vida religiosa, seja tirando-os deste mundo, para levá-los ao Céu. Bela lição que ensina à infância a e juventude a consagrarem a Deus as primícias de sua vida!

A Santíssima Virgem nos ensina também a não adiar a nossa conversão. Parece-nos, às vezes, que mais tarde teremos melhores disposições, que a coragem virá depois e as circunstâncias serão mais favoráveis. No entanto, não gostaríamos de morrer assim como somos agora; percebemos claramente que Deus tem motivos para não estar satisfeito conosco, que ele tem muitas coisas a recriminar, que nos faltam muitas virtudes, que há muitos defeitos a corrigir, que os santos chegaram ao Céu trilhando caminhos difíceis, mas semeados das mais belas virtudes. Sentimos tudo isto e dizemos com freqüência: “Realmente é preciso mudar”; não obstante acrescentando: “mais tarde!” Meu Deus, a morte nos prometeu, talvez, que deixará para mais tarde? A nossa vontade, habituando-se à prática do mal, estará então mais disposta a fazer o bem? Dar-nos-á Deus com mais abundância a sua graça, à medida que dela abusarmos? Que ilusão! Não adiemos o cumprimento desse dever sagrado de tornar sempre mais perfeitas as ações de nossa vida. Comecemos hoje mesmo a viver como queremos morrer.

Entreguemo-nos a Deus sem reserva, como nos ensina a Virgem Maria, na sua apresentação no Templo. Contemplemos esta santa Menina: ela renuncia ao mundo e às suas santas esperanças, a família e a todas as alegrias do lar; a todos os prazeres da vida, para abraçar a austeridade da vida comum; renuncia à vontade própria, preferindo obedecer; aos seus sentidos e ao corpo, escolhendo a virgindade; renuncia a tudo o que não é Deus, para pertencer inteiramente a Deus; finalmente, sacrifica tudo o que ela é, tudo o que ela pode. Aprendamos com Maria a doar-nos totalmente a Deus. Tudo o que há em nós pertence ao Senhor, porque nos criou, porque nos resgatou com o preço do seu sangue. Não podemos dispor livremente do nosso corpo e da nossa alma, senão segundo o seu beneplácito, pois são coisas suas.

Deus não quer corações divididos: TUDO OU NADA. Odeia o roubo no holocausto; portanto, não lhe entregar tudo não é ato religioso; reter a mínima parte para nós é injustiça e fraude. Oh! Como é pouco conhecida esta verdade! Dá-se tudo e depois retoma-se aos poucos. Entrega-se a Deus uma parte, com a condição de reservar outra para si. Deus quer tudo, não podemos reservar algo para satisfazer a avareza, o amor-próprio, nossa vontade, nosso caráter. Devemos dar-nos a Deus com perseverança. A Santíssima Virgem, dando-se totalmente a Deus, perseverou na imolação de todo o seu ser e não viveu senão para o Senhor.

Como estamos longe, filhas, deste lindo modelo! Num momento de fervor, entregamo-nos inteiramente a Deus, mas assim que nos sobrevém o tédio, o desgosto, retomamos tudo. Temamos abandonar o bem que começamos, porque logo a dissipação substituirá o recolhimento; a tibieza; o fervor; o amor-próprio, o amor de Deus. Disto se conclui que nossa vida é uma alternativa entre bem e mal, virtude e vício; retorno a Deus e recaídas no pecado. Prometemos e não cumprimos a palavra dada, traçamos ótimos planos, sem nunca concretizá-los. Não é este o caminho que conduz à salvação eterna, que só se alcança com uma vontade firme e constante de cumprir sempre e em tudo o nosso dever, aconteça o que acontecer.

Examinemo-nos cuidadosamente, para descobrir se existem em nós tais disposições. E enquanto vocês se ocupam com o exame, de todo o coração as abençoa

                                                                           

 sua afma. Madre